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Meu Desabafo (Comentário sobre desfile de crianças e adolescentes acolhidos em maio de 2019)

Em maio de 2019, foi promovido o evento denominado "Adoção na Passarela", no estado do Mato Grosso, Brasil, pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA), em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil do Mato Grosso (OAB-MT). Na ocasião, crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos de idade, aptos para adoção, desfilaram em um centro comercial,  para uma plateia de possíveis adotantes, com o intuito de incentivar os processos de adoção.

No meu curso de pós-graduação em Direito de Família e Sucessões (2017/2018), escrevi uma monografia sobre as motivações envolvidas nos processos de adoção.

Minha principal conclusão foi a de que uma adoção de sucesso é aquela em que as razões dos adotantes baseiam-se no desejo de ser pai/mãe. Nada mais, nada menos. Com a minha pesquisa (que envolveu entrevistas interdisciplinares com profissionais de vasta experiência na área da infância e juventude) também aprendi sobre a enorme temeridade do envolvimento de sentimentos ilusórios quanto à maternidade/paternidade e a consequente tentativa de conscientização acerca da importância de haver certa flexibilização das intenções dos candidatos à adoção em relação a eventuais pré-definições dos perfis das crianças. Isto é, mesmo com a noção de que é inexigível impor a adoção de uma criança que não tenha o perfil desejado pelo adotante, o objetivo deve ser sempre aproximar a constituição desse vínculo paterno-filial, o máximo possível, daquilo esperado em qualquer maternidade/paternidade: o desejo de ser pai/mãe de um filho, independentemente das suas características físicas. E saber que a predisposição a amar um filho, pelo menos em um mundo utópico, deveria independer de quaisquer condições visíveis.

A notícia sobre o desfile de crianças e adolescentes como forma de incentivar a adoção denota uma atividade de caráter desesperado, sem qualquer fundamento para uma adoção saudável e exitosa. Que boas motivações terão os candidatos à adoção que tomarem o desfile do futuro filho, maquiado e com roupas bonitas, como fator decisivo para o constituir como tal? Uma exposição que "coisifica" crianças e adolescentes que por tantas dificuldades já passaram. E, diga-se de passagem, dificuldades estas que um bom pai ou uma boa mãe deve saber lidar e enfrentar - o que só é possível quando suas motivações em buscar a adoção são muito bem fundamentadas.

É desgastante emocionalmente imaginar como essas crianças e adolescentes, todos em uma especial fase de desenvolvimento (4 a 17 anos) - e mais especial ainda por encontrarem-se numa condição de vulnerabilidade social, foram expostos e de certa forma enganados, por talvez pensarem que desfilando poderiam alcançar o sonho de ter uma família feliz, unida e que os ama incondicionalmente.