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Onde está a linha de chegada? Breves linhas sobre o Feminismo


O presente texto tem como finalidade precípua chamar a atenção para certos equívocos que nos acostumamos a ver como corretos. Certas anormalidades que nos ensinaram a compreender como banalidades corriqueiras. Certos absurdos que nos empurraram como aceitáveis.
O presente texto tem como finalidade precípua chamar a atenção das mulheres. E dos homens que me levam a tomar tal iniciativa. E das mães de homens, para não criarem um ciclo vicioso. E de todos os que se consideram abertos o suficiente para enxergar o inadmissível por detrás das trivialidades do dia a dia.
Vivemos numa sociedade cuja espinha dorsal é uma escala; uma escala medidora dos nossos comportamentos, atitudes, capacidades e conquistas. Ensinam-nos que nossa ascensão – não só em termos profissionais, mas como exemplo de pessoas ao nível das relações pessoais, amorosas e familiares – é diretamente proporcional a tais medidas.
O que não nos ensinam é que a razão constante, essencial à precisão das medidas apresentadas em escalas, altera-se conforme nosso gênero – como se o homem e a mulher não fossem seres de mesma grandeza.
Imaginemos uma escala segundo a qual nossos comportamentos, atitudes, capacidades e conquistas possam atingir as seguintes marcas perante a sociedade, em ordem crescente: Normal, Diferencial e Excepcional.
A mulher ser a responsável pela organização doméstica é normal; o homem ser o responsável pela organização doméstica é um diferencial.
A mulher saber cozinhar é normal; o homem saber cozinhar é um diferencial.
A mulher ser romântica é um diferencial; o homem ser romântico é excepcional.
A mulher ter um bom salário é um diferencial; o homem ter um bom salário é normal.
A mulher ocupar um alto cargo profissional é excepcional; o homem ocupar um alto cargo profissional é um diferencial.
A mulher ser a responsável pela organização da vida dos filhos é normal; o homem ser o responsável pela organização da vida dos filhos é um diferencial.
A mulher ser uma mãe presente e dedicada é normal; o homem ser um pai presente e dedicado é excepcional.
A pretensão com tais afirmações é, unicamente, exemplificar como as mesmas atuações são validadas de maneira desigual perante os valores que nos permeiam como sociedade – sociedade esta que parece ter sonhado com falsas estatísticas e as tomado como verdadeiras arbitrariamente – enquanto, em muitos casos, tal avaliação sequer confere com a realidade concreta e individual.
Por muito tempo prendi-me a uma percepção receosa sobre certas expressões do feminismo por considerá-las exageradas. Ocorre que, talvez, somente com o exagero sejamos capazes de alcançar a conscientização sobre circunstâncias que se encontram do avesso há tantos anos. Em outras palavras, o vinco deixado pela normalização da negligência abriu espaço para interpretações exaltadas daquilo que deveria ser o mínimo aceitável.
Enquanto permanecermos tolerantes em relação a tamanha distorção valorativa, continuaremos a percorrer caminhos muito mais longos e árduos para chegar exatamente no mesmo lugar;
Carregaremos nas costas o cansaço de uma corrida de quilômetros intermináveis no percurso de um trajeto de alguns metros;
Nosso esforço para manter a casa organizada será normal, enquanto somos diferenciadas por manter um ambiente harmonioso;
Nossos dotes culinários serão normais tarefas de mulher, enquanto somos diferenciadas por saber criar pratos tão saborosos;
Nossas cartas românticas serão meros diferenciais da nossa personalidade afetuosa, enquanto receber cartas românticas é excepcional;
Nossos bons salários serão um diferencial, enquanto somos capacitadas para salários excepcionais;
Nossos filhos terão mães normais, enquanto somos mães excepcionais;
Nossos altos cargos profissionais serão excepcionais, enquanto excepcionais somos nós.