Há poucos anos, o Brasil foi aterrorizado com o Caso
Bernardo, o menino assassinado pelo pai e pela madrasta e encontrado enterrado
numa cova feita num matagal.
O pai e a madrasta foram condenados, respectivamente, a 33 e
34 anos de prisão.
O menino Bernardo já havia pedido socorro anteriormente, mas
ninguém se mobilizou sob o argumento de que ele não apresentava sinais físicos
de violência ou maus tratos.
Agora, está em andamento a investigação da menina Valentina,
em Portugal, encontrada morta num matagal, cujo pai e madrasta são suspeitos.
Até o presente momento, a Polícia Judiciária portuguesa concluiu não haver
quaisquer indícios de que a menina sofria maus tratos anteriormente.
Como parte integrante da área jurídica, tenho a consciência
de que não se deve tirar quaisquer conclusões precipitadas a respeito dos
casos, antes de uma ampla e bem feita instrução probatória.
Assim, limito-me a compartilhar uma única conclusão, que,
independentemente do fim que a investigação levar, mostra-se cabível: Quando
dizemos que a responsabilidade de cuidar das crianças é de todos, parece algo
manjado e sem grandes significâncias; mas, é perante casos como estes, que essa
afirmação ganha reforço. É imensamente lamentável que o Estado tenha que
intervir na vida íntima das famílias - tanto quanto é difícil e complexo
compreender o que acontece no seio destas. Ao mesmo tempo que pode ser invasivo
demais, abster-se de interferir pode acarretar uma negligência apta a
desencadear um desastre.
Pelas coincidências entre estes dois casos (o menino não
apresentava sinais físicos de maus tratos e, no caso da menina, não há indícios
de maus tratos anteriores), parece-me que uma questão crucial vem sendo
esquecida por todos na hora de concluir se os cuidados despendidos a uma
criança são cumpridos devidamente: Violência e maus tratos não se restringem a
agressões físicas. Famílias que não têm a capacidade de proporcionar um
ambiente psicologicamente saudável e cuidados que zelem pela saúde mental das
crianças, são tão inadequadas quanto as que cometem agressões físicas contra os
menores sob seus cuidados. E, frise-se: atentar para casos de abuso e violência
psicológica pode ser o primeiro e primordial passo para evitar tragédias como
essas.